Encontro no Paraguai reúne organizações latino-americanas para debater evidências científicas sobre a Agroecologia
Representantes de 12 organizações de nove países discutem avanços e desafios da agroecologia no continente e reforçam compromisso com a pesquisa participativa e a construção de evidências sobre os sistemas agroecológicos.
Entre os dias 26 e 30 de outubro, o Paraguai recebeu o terceiro encontro presencial do projeto Agroecologia na América Latina: Construindo Caminhos”, reunindo representantes de 12 organizações sociais do Brasil, Paraguai, Equador, Colômbia, El Salvador, Guatemala, México, Canadá e Estados Unidos da América. O projeto, que começou em 2020, visa gerar evidências sobre a agroecologia por meio de uma pesquisa-ação participativa que já envolveu mais de 320 famílias agricultoras em sete países. Um dos momentos mais importantes do encontro foi a análise e revisão do terceiro relatório do projeto, elaborado com base em dados coletados entre julho de 2023 e junho de 2024.
Durante o debate, as organizações participantes trocaram percepções sobre os insights e desafios apontados pelo relatório, que acaba de ser publicado. Entre os temas discutidos, destacou-se a questão da permanência da juventude no campo, considerando que o êxodo rural é uma problemática recorrente em todos os países envolvidos. O relatório revela, por exemplo, que o grau de autonomia financeira dos/as jovens influencia diretamente o seu interesse em continuar na agroecologia e permanecer no território. Informações como esta ajudam as organizações a desenvolver estratégias de atuação com esse público, já que a sucessão rural é um dos pilares da sustentabilidade da agroecologia.
“A importância de contribuir para a construção da autonomia financeira dos jovens rurais, que permita que o desejo de permanecer no território continue crescendo, é, sem dúvida, uma das conclusões mais relevantes para nós. Já dedicamos muitos anos a nos preocupar com esse tema, que é uma preocupação comum em toda a América Latina. O campo está envelhecendo por diversas razões, e reconhecer que existe uma possibilidade real de bem-estar para os jovens, que lhes ofereça um futuro viável, é certamente um primeiro indicador e uma conclusão muito significativa”, afirma Ricardo Eslava, integrante da equipe diretiva da Corporación Buen Ambiente (Corambiente), na Colômbia.
A Corambiente, assim como as demais organizações participantes, tem promovido ativamente a participação de jovens camponeses e camponesas na execução da pesquisa-ação. Esses/as jovens desempenham um papel fundamental, contribuindo para a coleta de informações em colaboração com suas famílias e comunidades. No Equador, a mesma abordagem é adotada pelo Movimiento de Economía Social y Solidaria del Ecuador (meSSe), como destaca Rosa Murillo: “Envolvemos bastante os jovens das famílias justamente para demonstrar que um jovem, na realidade, não sai do campo para a cidade porque quer, mas porque o sistema o expulsa e não permite que jovens que desejam ficar no campo vivam dignamente. Com essas informações, queremos justamente tornar visível que, talvez, com políticas adequadas às realidades, um jovem ou uma família com filhos possa permanecer no campo”.
Outro indicador relevante, tanto para as organizações quanto para as famílias agricultoras, é o de agrobiodiversidade. “Basicamente, o que descobrimos por meio desses relatórios, baseados nos primeiros anos de experiência no projeto, é que muitas famílias não percebiam a riqueza da diversidade que possuíam em suas unidades de produção”, comenta Walter Santillana, técnico da Fundesyram, de El Salvador. No caso de algumas famílias salvadorenhas participantes da pesquisa-ação, os registros realizados por elas próprias revelaram que espécies nativas como a cúrcuma e o gengibre estavam sendo subutilizadas. “Muitos produtores tinham esses cultivos em suas parcelas, mas só tomaram consciência disso quando registraram. […] Agora, com esse conhecimento, estão abrindo novos espaços de comercialização para outros cultivos”, acrescenta Walter.
As organizações destacaram também a importância de acompanhar a adoção de práticas agroecológicas ao longo do tempo e avaliar como elas impactam a produção, bem como mensurar a viabilidade financeira da agroecologia, um dado fundamental para fortalecer o diálogo com famílias agricultoras que ainda permanecem no sistema de produção convencional. Essas informações são essenciais para incentivar essas famílias a iniciarem uma transição para a agroecologia, bem como gerar confiança nas famílias que estão em processo de transição.
Por fim, destacou-se a importância e o desafio de mensurar os serviços ecossistêmicos gerados por propriedades agroecológicas, como o sequestro de carbono, a ciclagem de nutrientes, a preservação da biodiversidade, entre outros. Esses indicadores representam um argumento poderoso para o Movimento Agroecológico, evidenciando que os sistemas agroecológicos de produção vão além da simples mudança de insumos para cultivar alimentos saudáveis, promovendo benefícios ambientais e sociais integrados.
A tecnologia como aliada da agroecologia
Outro debate levantado no encontro, que vem sendo pautado pelo projeto, é sobre a cultura do registro na agricultura familiar agroecológica. Em geral, agricultores e agricultoras familiares não têm o hábito de registrar suas atividades de forma escrita e compartilhável. Este cenário torna ainda mais desafiadora a tarefa de medir a produção agroecológica, por exemplo, que é um dos indicadores elencados na pesquisa-ação. Por outro lado, a própria pesquisa-ação tem instigado este hábito nas famílias participantes, com a ajuda do aplicativo LiteFarm.
O aplicativo, voltado para a gestão das unidades agrícolas, está sendo co-desenvolvido pelo Comitê Gestor do projeto e tem demonstrado como a tecnologia pode ser uma aliada na promoção da agroecologia. Com o apoio das organizações, cada agricultor/a cria uma conta no LiteFarm, registra o mapa de sua propriedade e, a partir disso, começa a inserir dados sobre plantio e semeadura, aplicação de insumos, rotinas de trabalho, colheitas, entre outras informações.
Segundo Humberto Morales Fuentes, do Centro Campesino para el Desarrollo Sustentable, do México, essa tem sido um experiência muito interessante “porque o produtor, que antes não conseguia sistematizar ou organizar suas atividades, aprendeu com a plataforma a manter ordem em suas tarefas. O simples fato de o produtor ver sua parcela no mapa digital, faz com que ele se sinta incluído nesse mundo, o mundo digital. Isso, então, gera uma melhora na autoestima dele. Além disso, a plataforma trouxe benefícios, como ajudá-lo a organizar seus gastos e entender melhor quanto ele ganha com a venda de suas colheitas. Também o ensina a calcular quanto tempo sua família investe trabalhando na unidade produtiva, incluindo o tempo que filhos, netos ou sobrinhos dedicam ao trabalho na parcela – algo que ele antes não sabia”.
Política e Governança de Dados
Outro momento importante do encontro foi a oficina sobre Política e Governança de Dados, ministrada pela Professora da Universidade da Colúmbia Britânica, Dra. Hannah Wittman, que vem coordenando a pesquisa-ação junto ao Comitê Gestor. A oficina abordou os desafios técnicos relacionados à gestão de dados, incluindo questões éticas sobre a coleta, uso e compartilhamento das informações. Durante a atividade, as organizações que ainda não possuíam uma política de governança de dados puderam começar a elaborá-la, além de trocar percepções e experiências sobre o tema.
Solo, a base da Agroecologia
Para além da pesquisa participativa, a iniciativa “Construindo Caminhos” é também um projeto de ação, com atividades de apoio, assistência técnica e formação para famílias agricultoras. Um tema central, que tem sido amplamente trabalhado no último ano pelo Comitê Gestor do projeto, é a saúde do solo. Por isso, uma das últimas atividades do encontro foi a realização de uma oficina dedicada a esse tema.
A oficina partiu de um diagnóstico sobre a qualidade do solo nas propriedades agroecológicas mapeadas pelo projeto, feito em colaboração com as famílias participantes, a partir do qual foram identificados erros, acertos e problemas relacionados ao manejo do solo. Entre os problemas encontrados, destacaram-se a acidez, a compactação, a falta de água, a contaminação e o histórico de uso intensivo do solo sem o manejo adequado.
Em seguida, as organizações traçaram estratégias coletivas a serem desenvolvidas nos territórios, em parceria com os agricultores/as, para garantir solos mais férteis e resilientes no contexto latino-americano. Entre as estratégias apontadas pelo grupo, destacaram-se a promoção de práticas agroecológicas, a criação de programas de formação técnica para os/as agricultores/as, a construção de alianças com a academia e a incidência em políticas públicas de fomento. Além disso, enfatizou-se a importância de conscientizar cada vez mais os agricultores e agricultoras sobre o estudo do solo e, respeitando o conhecimento que estes têm, ajudá-los a identificar as causas de seus problemas e como podem resolvê-los.
Rede Latino-americana de Agroecologia
A escolha do Paraguai como país-sede do 3º encontro do projeto “Agroecologia na América Latina: Construindo Caminhos” se deu, sobretudo, pelo fato de que, entre 23 e 25 de outubro, o país também foi palco do X Congresso Latinoamericano de Agroecologia. O Comitê Gestor do projeto participou coletivamente do evento, apresentando trabalhos acadêmicos, relatos de experiência e realizando oficinas temáticas. Além disso, os encontros presenciais representam sempre uma oportunidade de conhecer o trabalho de uma das organizações do Comitê Gestor. Desta vez, a anfitriã foi a Asociación de Productores Orgánicos (APRO).
A APRO foi constituída em 1999 com o objetivo de buscar canais de comercialização propícios para seus associados, que atualmente somam mais de 300 produtores e produtoras orgânicas. Sócio-fundador da APRO, Genaro Ferreira Piris, explica que a associação decidiu incorporar-se no projeto “Construindo Caminhos” porque queria “provar e demonstrar que a agroecologia é rentável. Ou seja, com a agroecologia, não se ganha apenas de forma econômica, mas também no aspecto ambiental, social e cultural […] Somente demonstrando de forma quantitativa e qualitativa para as autoridades, elas se interessam, porque aqui no Paraguai precisamos fomentar mais a agroecologia. Por isso, nos interessa ter esses resultados, para demonstrar que com todo esse trabalho que está sendo feito há ganhos, ou seja, o bem viver”.
Genaro avaliou o encontro como “um momento muito propício para aprender juntos, compartilhar nossas experiências e enriquecer este grupo. Já somos praticamente uma grande família latino-americana e o nome que leva – construindo caminhos – acredito que é muito adequado e oportuno. Estamos muito felizes por sermos um país receptor”.
Ao final dos cinco dias, o encontro reforçou o compromisso das organizações com a pesquisa participativa e a construção de caminhos para um futuro mais sustentável e inclusivo para as comunidades agroecológicas. “Nossa metodologia partiu da ação e não da pesquisa. Partimos da necessidade que tínhamos como organizações de base, como famílias camponesas e agroecológicas, porque, no momento em que nos perguntavam se a agricultura é viável ou não, não tínhamos nada para mostrar. E agora somos parte de uma mesa nacional de indicadores com outros atores, onde apresentamos a metodologia, que é participativa e que construímos participativamente os indicadores. Colocamos esse tema em discussão nas reuniões que temos com outros atores para ver se isso impacta as políticas públicas e o que talvez seja mais valorizado é o fato de termos feito isso”, avalia Rosa Murillo (meSSe).
O Comitê Gestor do projeto Agroecologia na América Latina: Construindo Caminhos é composto por Asociación de Productores Orgánicos (APRO), Asociación Vivamos Mejor, Centro Campesino para el Desarrollo Sustentable, A.C., Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), Corporación Buen Ambiente (Corambiente), Fundesyram, Movimento Mecenas da Vida (MMV), Movimiento de Economía Social y Solidaria del Ecuador (meSSe) e Tijtoca Nemiliztli, A.C.. A iniciativa é apoiada pela Fundação Interamericana (IAF) e conta com a parceria da University of British Columbia (UBC), do Canadá.
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Texto: Clara Comandolli (CEPAGRO)
Fotos: Clara Comandolli (CEPAGRO) e Larisse Cavalcante (LiteFarm)
Fonte: Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro)