Formação sobre Abelhas Nativas Sem Ferrão fortalece as práticas agroecológicas e oferece alternativas para jovens da Região Sul
Dentre os princípios fundamentais das práticas agroecológicas, as questões da preservação da água e dos solos são as que costumam ter maior ênfase no cotidiano de agricultores e suas organizações. Com importância equivalente na manutenção de uma agricultura sustentável, a abordagem teórica e prática sobre os processos de polinização vem ampliando seu espaço nestes ambientes. É o caso do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), que desenvolve ações permanentes como palestras, debates e cursos sobre as Abelhas Nativas Sem Ferrão (ANSF). O trabalho estimula a conservação, o manejo e multiplicação destas espécies, que respondem por 40 a 90% da polinização de árvores nativas, dependendo da região.
Nos dias 11 e 12/11, o CETAP realizou em Erechim e Aratiba (RS) uma formação sobre ANSF, voltada ao público local e aos grupos de jovens que vieram das regiões de Palmeira (PR), Lages e Florianópolis (SC). De origens diversas, os 20 jovens representam assentados indígenas, agricultores, consumidores, técnicos extensionistas e estudantes de Agroecologia, mobilizados pela atuação conjunta das entidades CETAP, Cepagro, ASPTA e Centro Vianei. No primeiro dia da Formação, uma atividade introdutória exclusiva a este grupo foi realizada pelos anfitriões de Erechim.
O técnico do CETAP Edson Klein foi o responsável pelo acolhimento dos participantes em seu sítio. Além de um multiplicador de conhecimento, ele também realiza o manejo permanente de uma criação que hoje soma 160 caixas de diversas espécies de abelhas nativas. A prática foi iniciada com a revisão do meliponário, introduzindo o conjunto de tarefas cotidianas que envolvem a lida com os animais, desde a captura de novos enxames à alimentação suplementar em períodos de escassez de floradas.
“Se ficarmos um período de 4 anos sem abelhas, ficamos também sem alimentos”, ressaltou Edson em suas falas iniciais, destacando o papel fundamental da polinização e as ameaças sofridas pelas ANSF, principais responsáveis por este serviço ambiental. As atividades preliminares de preservação iniciam-se com a captura de novos enxames, a partir de armadilhas simples feitas com garrafas PET, jornal e plástico preto. Com estes artefatos, simula-se o habitat próximo ao natural da maioria das ANSF, que geralmente fazem seus ninhos em ocos de árvores. Como isca é utilizado o geoprópolis, substância produzida pelas abelhas contendo seus ferômonios, diluído em álcool 70º.
Os alunos puderam conferir o resultado da aplicação de uma armadilha, que permaneceu em um ponto fixo por volta de 45 dias até a consolidação do novo enxame. Utilizando um estilete, Edson fez a retirada das camadas de plástico preto e jornal em volta da garrafa, responsáveis pelo equilíbrio térmico e controle da luminosidade no ambiente. Depois, foi rompida a embalagem da PET e exibida a bela e complexa estrutura de nidificação de uma ANSF, naquele caso da espécie Plebeia emerina. Por fim foram apresentados os procedimentos de transferência do ninho, que ganha sua morada definitiva em pequenas caixas de madeira com 4,5 cm de espessura, dimensionadas assim para um correta regulação térmica. Cada ninho pode ser multiplicado inúmeras vezes, de acordo com o processo de formação das rainhas, cuja dinâmica é distinta entre os gêneros Melípona e Trigona.
No dia seguinte, um Seminário Técnico sobre as ASNF foi realizado no município vizinho de Aratiba, ampliado para o público local e atingindo cerca de 100 participantes. O Seminário foi apoiado pelo projeto que o CETAP possui com MISEREOR, COOPERTEC, CRESOL e RGE. A atividade iniciou-se com a palestra “Regularização e Regulamentação de Meliponários”, proferida por Flávio Flores Pires, da Divisão de Fauna da SEMA/RS (Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura). A partir da exposição de legislações federal e estadual, foi esclarecido que um meliponário contendo até 49 colmeias não necessita de autorização, desde que não tenha função comercial. Excedido este número, ou no caso de fins comerciais, os responsáveis pela criação devem procurar o órgão ambiental para regularizar a atividade. Os enxames devem também ser restritos às abelhas nativas de cada Estado, cuja lista no Rio Grande do Sul apresenta 24 espécies. Podem ser autorizadas espécies de ANSF de outros Estados, desde que aprovadas em uma análise de risco feita pelas autoridades competentes.
Na parte da tarde, o meliponicultor Silvano Mohr, representando a CRESOL, abriu as portas de seu meliponário para a realização de oficinas práticas. Os participantes revezaram-se em 3 sessões simultâneas, onde aprenderam as técnicas de transferência e multiplicação de enxames, métodos de captura e alimentação suplementar. O evento foi encerrado com um café 100 % agroecológico, com produtos a base de pinhão e frutas nativas como guabiroba, butiá e araçá vermelho. A refeição foi preparada pelo empreendimento Encontro de Sabores, parceiro do CETAP que trabalha com a promoção e valorização destes produtos do extrativismo nas regiões Norte e Nordeste do RS. O preparo do almoço, também integralmente com produtos agroecológicos em que se destacaram a paçoca de pinhão e o porco crioulo com calda de jabuticaba, foi feito por um grupo de mulheres da agroindústria Flor de Pitanga de Itatiba do Sul.
No final do encontro, os jovens participantes fizeram uma avaliação do que aprenderam e relataram ideias do que pretendem fazer com o aprendizado. Jéssica Kerexu, de 22 anos, disse que vai multiplicar o tema com seus alunos na escola da aldeia guarani em Biguaçu (SC) onde ela leciona. O manejo de abelhas sem ferrão é ideal para a prática com crianças, uma vez que não oferece os riscos de picadas como ocorre com as espécies africana e europeia. Nicole, de Rio Azul (PR), contou que a expectativa é utilizar as ANSF para polinizar o morango orgânico na propriedade da família, que está passando por um processo de diversificação de lavouras de tabaco. Processos contínuos de formação para a juventude seguem no foco das ações desenvolvidas em rede pelo CETAP, Cepagro, ASPTA e Centro Vianei, atendendo a essas e outras demandas levantadas pelos beneficiários.
* Por Fernando Angeoletto, jornalista do projeto Misereor em Rede (CETAP, Cepagro, ASPTA e Centro Vianei)